A virtude de ser um herege
Por Kadu Santoro
A origem da palavra herege
é grega, vem de hairesis (αἵρεσις)
e significa escolha, seleção, depois passou pelo latim haeresis
+ -ia, opinião, preferência, opção. Assim eram chamados
os cristãos gnósticos, devido ao fato deles selecionarem os
fundamentos mais profundos em meio a tantos erros e
superficialidades encontrados nas traduções das Escrituras da
Tradição Bíblica, ao contário da maioria que aceitava cegamente
tudo (e eram pouco letrados), verdades e erros, como ensinou o
Apóstolo Paulo: “Examinai tudo e ficai com que é bom.”
Logo, aqueles que possuem discernimento de escolha e de
seleção, é possuidor de uma sabedoria acima da média e
totalmente livre de qualquer forma de controle e manipulação.
O
termo heresia foi utilizado primeiramente pelos cristãos, para
designar ideias contrárias à outras aceitas. Podemos
definir heresia,
como a doutrina ou linha de pensamento contrária ou diferente de um
credo ou sistema de um ou mais credos religiosos que pressuponha(m)
um sistema doutrinal organizado ou ortodoxo.
O herege não é designado "herege" senão porque alguém,
investido de poder eclesiástico e institucional classificou a sua
prática ou as suas idéias como destoantes e contrárias a uma
ortodoxia oficial que se autopostula como o caminho correto (BARROS,
2007-2008, p. 125).
Além dos conceitos
de liberdade, escolha e opção, ser herege também implica ser
alguém com poder de reflexão, aquele que não é induzido pela
maioria. Nelson Rodrigues já dizia: “toda
unanimidade é burra”,
ou então podemos fazer uma comparação entre um cientista, que
vive dentro do paradigma pré estabelecido, que está na
universidade, que faz funcionar a ciência normal e é repetitivo.
Não inventa nada. Sabe tudo o que é de sua ciência, aplica e faz
funcionar, tem uma atitude “sacerdotal” diante da ciência
construída, com um indivíduo com atitude “profética”, que é
inventor, inovador, busca idéias novas, dá espaço para a intuição
e a subjetividade, esse é considerado como um herege. Por isso que
um místico é figura perigosa para a religião, pois enquanto o
cientista é um fiel ao paradigma científico, o herege é um
Einstein, pois como ele próprio disse: “Eu
acredito na intuição e na inspiração. A imaginação é mais
importante que o conhecimento. O conhecimento é limitado, enquanto
a imaginação abraça o mundo inteiro, estimulando o progresso,
dando à luz à evolução. Ela é, rigorosamente falando, um fator
real na pesquisa científica.”
Se
as heresias não fossem de tamanha importância, porque então se
matou tantas pessoas consideradas como hereges ao longo da sangrenta
e trágica história do cristianismo? Essa é a pergunta que não se
cala. Será que não eram esses considerados “hereges” que
buscavam anunciar uma realidade superior? Porque tanto temor por
parte da ortodoxia imperialista eclesiástica?O
próprio Jesus foi o maior exemplo de heresia em seu tempo, foi
contra todo o edifício dogmático do judaísmo ortodoxo, e veja
aonde ele acabou, pregado na cruz. No entanto, o que ele tentou
mostrar, foi uma dimensão superior, ou seja, ele deslocou
radicalmente o eixo da fé israelita, que se concentrava no templo e
na observância mecânica
das
leis mosaicas, para dentro de cada um de nós, apresentando um novo
horizonte, onde o véu foi rasgado de cima a baixo no templo, o
acesso ao Criador não precisava mais de intermediários, o caminho
estava livre.
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